Saturday 26 May 2007

Centenas de escravas sexuais do exército japonês contam histórias de
horror

Fonte: Varias




Kiyoko Furusawa conta histórias de terror que ainda hoje assombram as
mulheres de Timor-Leste, como a de Marta Abu Bere que, durante a
ocupação japonesa de Timor-Leste, chegou a ser violada por dez
militares diferentes por noite, todas as noites.

Centenas de mulheres de Timor-Leste, pelo menos 270, muitas delas
crianças que ainda não tinham tido a primeira menstruação, foram
levadas pelo exército imperial japonês durante a ocupação da então
colónia portuguesa, que durou de 1942 a 1945. O destino era sempre o
mesmo - a escravidão sexual nos bordéis que serviam os oficiais e os
soldados japoneses.

"A Avó Marta Abu Bere contou que, depois de ter tido dez homens numa
noite, sentia que tinha um grande buraco na parte inferior do corpo, e
não se conseguia ter de pé por causa da dor. Mas quando tentava
resistir, estrangulavam- na e ameaçavam-na de morte", diz Kiyoko
Furusawa, professora da Universidade Cristã das Mulheres de Tóquio e
organizadora de uma exposição na capital japonesa sobre o sistema de
escravatura sexual do Japão sobre as mulheres timorenses.

"Muitas delas eram muito jovens, nem sabiam o que era o sexo e por
isso tinham muito medo. Para além de terem relações com os soldados
durante a noite, eram forçadas durante o dia a construir estradas, a
trabalhar na agricultura e a fazer comida", conta Kiyoko Furusawa.

"A Avó Marta disse que nessa altura até tinha inveja dos animais
domésticos. Eles pelo menos podiam dormir durante a noite",
acrescenta. "Diversas mulheres que recusaram a escravidão e as
torturas sexuais foram executadas".

Por horrível que seja, a experiência da Avó Marta foi infelizmente
comum em Timor-Leste durante a ocupação japonesa, como mostra a
exposição que encerra na sexta-feira no Museu das Mulheres Activas na
Guerra e na Paz, em Tóquio. Finalmente, as mulheres de Timor-Leste
começam a falar dos seus sofrimentos e traumas, calados há mais de
cinquenta anos.

A exposição de Tóquio baseia-se na recolha, por parte de organizações
de direitos humanos japoneses e timorenses, de testemunhos orais das
mulheres, fotografias e relatos orais e escritos de sobreviventes e
testemunhas oculares, incluindo três veteranos de guerra japoneses que
descrevem como funcionavam os "Ianjo", os bordéis militares geridos
pelo exército japonês.

"Localizámos já 20 postos militares onde o exército japonês
estabeleceu as chamadas `estações de conforto`. É altamente provável
que existisse uma estação por cada um dos 27 postos que existiam em
Timor em 1944, embora por vezes existisse mais de uma estação. Cada
posto tinha pelo menos 10 raparigas, portanto o total de vítimas é de
270, no mínimo", diz Furusawa, que coordenou também o projecto de
recolha dos testemunhos através da organização Coligação Japonesa por
Timor-Leste.

As forcas japonesas entraram em Timor-Leste em Fevereiro de 1942 para
expulsar as forças australianas que tinham ocupado o território em
Dezembro de 1941, violando a neutralidade da então colónia portuguesa.
Os japoneses ordenaram então aos "liurai", os reis tradicionais, que
fornecessem mulheres para servir de escravas sexuais às tropas, e de
pouco valia resistir às ordens.

Em Suai, actual capital da distrito ocidental de Covalima,"o rei
Marcelo recusou e foi executado em frente de toda a população no posto
militar japonês de Bobonaro, outro distrito ocidental de Timor", conta
Kiyoko Furusawa.

Reforçando a impotência das mulheres timorenses, Inês de Jesus, outra
das vítimas das atrocidades japonesas, cujo testemunho está exposto em
Tóquio, conta sentir "que não valia a pena escapar, porque todos
conheciam a minha casa e os meus familiares, que iriam depois sofrer
as consequências" .

A ilha era uma verdadeira prisão a céu aberto, uma vez que o
território era ocupado por cerca de 12 mil japoneses, que estavam em
todo o lado, para uma população de 463 mil pessoas.

Mesmo depois do final da guerra, da capitulação japonesa e da saída do
Japão de Timor-Leste em 1945, as feridas das jovens escravas sexuais
não se fecharam. Aos traumas físicos e psicológicos das violações em
massa juntavam-se agora a incompreensão e o desprezo dos timorenses.

De acordo com Kiyoko Furusawa "as mulheres foram vítimas de
discriminação pela comunidade, que não conhecia a verdade sobre os
crimes. As pessoas pensavam que elas tinham recebido privilégios
durante a ocupação".

Os crimes de exploração sexual das mulheres de conforto, que
aconteceram em muito maior número na China, na Coreia do Norte e na
Coreia do Sul, entre outros países asiáticos, são ainda crimes
anónimos, sem penas, sem culpados e sem sentenças.

Em 2000, grupos não-governamentais preocupados com a falta de
responsabilizaçã o pelas atrocidades sexuais no tempo da guerra criaram
em Tóquio um tribunal popular, em que participou Gabrielle Kirk
McDonald, a juíza que presidiu ao primeiro Tribunal Penal
Internacional para a ex-Jugoslávia, que condenou o imperador Hirohito
(já falecido) e altas patentes militares japonesas por crimes contra a
humanidade.

A Coligação Japonesa por Timor-Leste exige agora que o governo japonês
reconheça as vítimas da escravidão sexual e exige o pagamento de
indemnizações.

O Japão recusa, afirmando não ter recebido qualquer pedido do governo
de Timor-Leste.

2007

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