Saturday, 21 July 2007

Entrevista de Micael Pereira, enviado a Timor-Leste

Entrevista de Micael Pereira, enviado a Timor-Leste
EXC. : Jornal EXPRESSO

Numa longa entrevista feita quando começava a ser cercado pelo exército australiano, o líder dos rebeldes fala de um plano para o matar, numa tentativa de calar a verdade sobre a crise do ano passado.



O major Reinado com o tenente Salsinha e alguns dos seus homens, no dia 8 de Julho, no início do cerco montado pelos militares australianos


13:25 | quinta-feira, 19 JUL 07

Na véspera à noite ficou decidido. Num bairro de Díli alguém estaria à minha espera para me levar até ao refúgio do major Reinado e do seu grupo de militares rebeldes. Era domingo de manhã (dia 8 de Julho) e nas bermas das estradas muita gente fazia o caminho a pé para a missa. Combinada etapa a etapa, a viagem demorou cinco horas.
O destino não foi uma surpresa total. Reinado decidiu voltar, pela primeira vez, ao local onde fora atacado pelos militares australianos a 3 de Março deste ano, quando cinco dos seus homens caíram mortos. O todo-o-terreno parou numa estrada à saída do centro de Same, no lado sul de Timor, para o interior, não muito longe do posto de polícia controlado pela ONU, onde o major fora pessoalmente no sábado dar conta da sua presença.
Antes, entre Maubisse e Same, já na última parte do trajecto, o nosso carro tinha se cruzado com duas viaturas de militares australianos. Seguíamos na mesma direcção. Mais tarde, saberíamos porquê.
Na casa de uma família local, com crianças, velhos e galos a fazerem a sua vida como se nada se passasse, o Expresso contou 19 homens armados de metralhadoras, uniformes iguais e coletes à prova de bala. Um progresso considerável desde Junho do ano passado, quando o major esteve acantonado na pousada de Maubisse com uma dúzia de homens desalinhados.
E, agora, algumas notas prévias. A entrevista é publicada na íntegra e respeita um acordo com Reinado de não ser sujeita a cortes. Está transcrita seguindo a ordem natural das perguntas, tal como foram ditas no alpendre daquela casa de família.
Feita de improviso, além de se perceber uma espécie de retorno constante aos mesmos temas, a entrevista acaba por ter uma falha assumida pelo Expresso: por puro esquecimento, falta a pergunta sobre o assalto ao posto de polícia de Maliana, em Fevereiro, quando o major e o seu grupo levaram as metralhadoras com que andam armados agora.
Por último, quando Reinado fala sobre o episódio de Fatuhai, em que ele e os seus homens se confrontaram com um coluna do exército timorense chefiada pelo coronel Falur, o Expresso confirmou mais tarde que o filme feito pelos jornalistas presentes mostra que quem disparou primeiro foi o grupo do líder rebelde.

A entrevista, então.

O procurador-geral da República Longuinhos Monteiro emitiu salvo-condutos para alguns dos seus homens, para poderem circular livremente. Tem também um desses documentos?

Nós, não. Trata-se de uma acção ilegal. O procurador-geral da República devia saber qual é o lugar dele, quais são as suas responsabilidades. Ele não tem de vir negociar directamente com nenhum soldado no mato. Isso não é responsabilidade de um procurador-geral.

O que é que se passa nos bastidores?

O procurador quer-se envolver pessoalmente no assunto? Ele não está a fazer mais nada que não seja trabalhar para o seu próprio interesse – o seu interesse político – e não para o interesse público.

Como é que o procurador decide coisas e o presidente não decide nada?
Quem é a figura mais importante na hierarquia da nação?
Não é ao procurador que compete dar salvo-condutos ou passes de autorização. Todos os meus soldados estão debaixo do meu comando. Ele, se quiser, tem de falar directamente comigo. E eu não me relaciono com o procurador a não ser através do meu advogado. Qualquer carta que o procurador queira entregar tem de respeitar a legalidade. E nós temos uma carta do presidente sobre a suspensão da operação (de captura) para que se possa iniciar o diálogo para resolver a crise. Por isso, eu tenho liberdade para mim e para os meus soldados.

Tem essa ordem directamente do presidente?

Sim, uma ordem que diz que não serei detido pelos militares ou pela polícia. E, então, porque é que o procurador-geral está a agir de outra forma? Qual é a sua intenção? Um procurador vem ter com soldados, no meio de lado nenhum, e oferece-lhes dinheiro e outras coisas… para quê?

Está a dizer que o procurador-geral da República deu dinheiro aos seus homens?

A Garcia e a Susar, que está aqui e que quer ser uma testemunha de tudo isso.

Ofereceu-lhes dinheiro?

Sim.

Para quê? Para os soldados o abandonarem?

A intenção é dividirem o meu grupo para me tornarem fraco. Mas estão errados. Mesmo se estiver sozinho, eu não sou nenhum fraco, porque aquilo que eu defendo não é fraco. O que eu defendo são os direitos da maioria do povo; o que eu defendo é que a lei e a justiça funcionem; o que eu defendo é a soberania da nação, para que ela não seja desrespeitada por nenhum dos líderes. O que eles estão a fazer é jogar nos bastidores. Isso é ilegal e já lhes disse que estão a cometer mais um crime. Como sabe, apenas um dos homens entregou as armas.

Está a falar de Garcia?

Sim. Mas porque a família o pressionou, não que ele não seja um bom soldado ou que tenha desistido. Estão a tentar pôr veneno no coração dos rapazes através de Leandro Isaac, para que o sigam e para que assim ele ganhe mais poder ou confiança dos líderes nacionais.

Essa é a atitude do deputado Leandro Isaac?

Sim. Vá perguntar na aldeia. Andam a ameaçar as pessoas. Porque fazem isso, mesmo depois do presidente nos ter dado a carta para que a operação (de captura) pare? Porque continuam? Susar e os homens dele não desistiram. Pelo contrário, pedem para que venham mais forças internacionais, as F-FDTL e mais helicópteros e tanques para nos molestar. (Irritado) O que é isto?

Parece-lhe que se trata de uma manobra do procurador-geral da República e que ele está a agir sozinho?

Ele está envolvido com alguém.

Com quem?

Não é o momento de o declarar, mas ele não está sozinho. É apenas um mensageiro. Trabalha para alguém. Vê-se assim o quão independente é a lei neste país. O procurador é procurador ou é uma marioneta nas mãos de alguém? Esse é que é o problema e é por isso que nunca se vê paz ou justiça neste país. Os que estão no poder são os primeiros a entrar nesse jogo.

Mas quem é que pode ser o homem por detrás do procurador-geral da República?

É cedo de mais para dizer.

O jornalista australiano John Martinkus escreveu que Xanana Gusmão protegeu-o e pagou as suas despesas na pousada de Maubisse no ano passado. É verdade?

Um político pode mudar de pele muitas vezes, como uma cobra. Uma vez por dia, uma vez por mês, uma vez por ano, não interessa. Os políticos são sempre cobras. Mudam de ponto de vista quantas vezes precisarem. Podem ser heróis e vilões ao mesmo tempo. Os seus únicos objectivos são políticos. Seja quem forem as vítimas, para eles isso não é um problema. A verdade é que dizem que me estão a defender mas são também eles que dão ordens às forças internacionais para me matarem. Eles sabem que não há nada na constituição que diga que se pode dar ordem de morte a um cidadão.

Mas porque é que eles agem assim, então?

Acha que as ISF (Forças Internacionais de Estabilização) receberem ordens para o matar?

Claro. Eles não queriam que eu falasse, que dissesse a verdade. Não tiveram coragem para me enfrentar na mesa do diálogo, na hora de eu contar a verdade.

Mas sabe que uma ordem dessas depende do presidente?

Não do presidente sozinho, há mais gente. O presidente não decide sozinho.

Sente que Xanana primeiro o protegeu e depois o abandonou?

Eu não disse isso.

Mas pensa que possa ter acontecido isso?

Não penso isso e nem sequer falei disso.

É por isso que estou a perguntar!

Este ainda não é o momento de contar a verdade. Conto a verdade à mesa, cara a cara.

Porque não agora?

Não é o momento. Se eu contar o que está por detrás de tudo isto a história acaba cedo de mais, não concorda? Está a ouvir o helicóptero a voar sobre a minha cabeça (ouve-se o som das hélices a sobrevoarem o local da entrevista) apesar de o presidente ter mandado as forças internacionais e a polícia não incomodarem os meus movimentos.

Consegue ouvir? Então, o que é que aconteceu nos bastidores?

Não sente que é mais seguro para si dizer a verdade, para que a opinião pública a conheça?

(O barulho do helicóptero torna-se mais alto e cobre o som da gravação) Seguro ou não, é uma questão de tempo. Por enquanto, tenho de continuar a defender o que defendo.

Acha que ainda há o risco de ser morto?

Há sempre esse risco. Diariamente. Mas essa é uma decisão que cabe a Deus, a mais ninguém.
Ramos-Horta disse, em entrevista ao Expresso, que era livre de circular desde que nem o major nem os seus homens andassem armados.
Não é assim. Ele tem de falar com base no que está escrito no documento. Não diz lá isso.

O que diz, então, o documento?

Não diz nada sobre eu andar armado ou desarmado. Eu sei que só não posso ir armado a Díli porque é o centro de operações, é a capital. Mas não fora de Díli. Sou um homem livre, posso circular por todo o lado. Não cometi nenhum crime contra ninguém. Nós somos ainda militares.

Porque não haveríamos de poder circular?

Ramos-Horta também disse que sabe normalmente onde está e acabou a entrevista a revelar que o major se encontrava em Díli.
Há algum artigo na constituição ou na lei que diga que eu não possa estar em qualquer lado? Eu sou um homem livre, não sou um visitante, não sou um estrangeiro neste país.

Portanto, não vai haver salvo-condutos para si e para os seus homens?

Não, nós já temos isso. Só se dá salvo-condutos a civis que precisem de protecção.
Há um mandado de captura…
Não. Podem dizer isso, mas na carta diz que nenhuma autoridade me vai capturar.

Mais ninguém a não ser os australianos?

Por que é que têm de ser os australianos? Eles não estão cá para capturar ninguém, eles estão cá para o país inteiro. Não se devem envolver.
O juiz com o seu caso tem renovado continuamente o mandado de captura.
O presidente diz uma coisa, os juízes dizem coisas diferentes. Deixem que a realidade determine o que é a verdade. Eu não vou a lado nenhum. Quem quiser que venha tentar prender-me. Eu levo a carta do presidente para onde quer que vá.

Então, não se vai render?

Não conheço a palavra rendição. Eu só me rendo à minha lei. Toda a gente se deve render à lei. Mas ainda não é chegado o tempo.
Tenho lido que algumas pessoas da igreja estão a tentar dialogar consigo.
Não estão a tentar dialogar. Está a fazer confusão. Estão a servir de mediadores para o diálogo. Eu não dialogo com a igreja. Eles estão a ser ajudados pelo Human Dialogue Centre em Genebra e pelos seus representantes locais aqui, para organizar esse diálogo. Mas diálogo com quem?
Deixe-me devolver-lhe a pergunta.

Essa é a questão. Diálogo com quem?

Com a igreja, não.

Com quem é que quer dialogar?

Pergunte ao presidente. Com quem? Quem é que representará o presidente à mesa do diálogo? Eu só terei um diálogo de três pontos.

Quais são esses três pontos?

Diálogo militar, porque a crise começou dentro da instituição, com a divisão interna; diálogo político, porque o governo e o estado têm responsabilidade; e, como terceiro e último ponto, o diálogo judicial. O que significa que toda a gente tem de entrar no processo judicial.

Então, tem de ir para a prisão para poder esperar pelo julgamento, como fez Rogério Lobato.

Não me pode comparar com Lobato. Lobato é um criminoso, eu não. Eu sou um militar.

Sim, mas ele esteve preso enquanto esperou pelo julgamento.

No diálogo vai ser preciso discutir do que é que me acusam para me poderem levar para a cadeia. Não se pode simplesmente ir para a prisão sem se ter feito nada de mal. Que crime é que eu fiz? Há alguma queixa apresentada por alguém deste país?

Há o episódio de Fatuhai (incidente de que resultaram mortos).

Mas quem é que me acusa de ter atirado contra alguém ou de ter feito isto ou aquilo? O que fiz de errado? O que aconteceu com todos aqueles crimes cometidos em Díli? O que aconteceu com toda a gente que foi massacrada pelas instituições, debaixo da bandeira da ONU?

O que aconteceu aos que morreram à frente dos líderes e das paredes das suas casas e das casas dos internacionais em Díli? Eles não precisam de justiça porque são animais, não são humanos? (está exaltado) Portanto, que fiz eu de mal para me acusarem e quererem levar-me para a prisão? Nós vamos discutir isso no diálogo. Porque é que eu tenho de apanhar com as culpas dos outros, por coisas que não fiz?

Acredita que o presidente ou o governo querem realmente fazer esse diálogo consigo?

Essa é, de facto, uma questão importante. Qual governo, agora que estamos à beira de o mudar? De que governo é que está a falar? Ou todos os governos são um falhanço? Porque não conseguem governar bem. Por isso é que a crise começou. Se fossem bons líderes, não havia crise no país. Quem é que é responsável por isso? O governo e o estado têm alguma coisa a dizer.

Imagino que saiba quais foram os resultados das legislativas e o que se está a passar. Como vê estas eleições?

Eu não sou político. O que se pode ver nestas duas eleições (presidenciais e legislativas) é que não fizemos distúrbios, não nos envolvemos. Nem sequer votámos, porque queremos respeitá-los e deixá-los fazer a sua festa democrática. Que gozem desta liberdade democrática. Quem quer que ganhe agora, qual é a diferença? Mas quem irá seguir a constituição… porque ninguém pode governar à sua maneira, tem de governar através da constituição. É isso que nós vamos seguir – o que estiver escrito na constituição. Se uns (Fretilin) ganharam e não têm lugares suficientes e se os outros partidos têm mais (lugares), o que é que está escrito na constituição? Eles é que têm estado sentados no parlamento e aprovaram cada um dos artigos da constituição. Se eles aprovaram-nos assim, porque é que têm de ser teimosos e forçarem-se a liderar o país se nem conseguiram a maioria nem conseguem que isso seja legal aos olhos da constituição?

Há pessoas que dizem que a constituição defende a posição da Fretilin, outras dizem que defende a posição de Xanana…
Eles apenas falam, mas não esclarecem. Que artigo, que parte desse artigo, que número?

O artigo 106…

Quantos artigos há na constituição? Cada um deles tem o seu significado. E as pessoas têm de o respeitar. Se perderam os lugares no parlamento mas se podem forçar ir para o governo, é com eles. Mas se o artigo diz que o número de cadeiras no parlamento determina quem vai para o governo, têm de obedecer. Portanto, o problema não é quem vai liderar o governo, mas quem vai ter uma boa solução para resolver a crise.

No ano passado creio que disse que tinha a Fretilin como inimigo.

Eu não falei em inimigo. A Fretilin é apenas uma instituição, uma estrutura que nem sequer se pode levar ao tribunal ou para a cadeia. Não se pode culpá-la, tem de se culpar os líderes. Por isso não digo que a Fretilin seja um inimigo.

E Alkatiri? Lembro-me de afirmar que só descansaria quando Alkatiri fosse para a prisão.

E ele já foi para a prisão?

Não.

Bom, ele é que estava à frente do governo quando a crise aconteceu. Qual é a responsabilidade dele por isso?

Fizeram um inquérito e concluíram que não havia provas sobre a responsabilidade de Alkatiri.

Eles decidiram o que era melhor para se defenderem. Os juízes internacionais nem sentiram o assunto como timorenses.
Está a dizer que não é possível haver julgamentos justos com juízes internacionais?

Temos de ter a soberania desta nação nos tribunais. Podemos ser estúpidos e tolos, não falamos a mesma língua que vocês, mas temos o direito de fazermos as coisas à nossa maneira. Estão a interferir nos nossos assuntos internos mas não sabem o que sente um coração timorense, porque vocês não são timorenses. Não devem ter a responsabilidade de decidir o que é certo ou errado porque não pertencem a este lugar. E muitos dos juízes posso dizer que foram pagos. Foram pagos para virem para cá por certos grupos.

Pagos por quem? Por interesses internacionais?

Tudo isto é um jogo. Você sabe isso e pretende não saber para me poder perguntar. É um jogo. Que perfeito este sistema de justiça: os mais ricos, que têm o dinheiro, podem suportar a justiça do seu próprio bolso. Isso é o que está a acontecer.
Não pensa que o julgamento de Rogério Lobato foi justo?

O julgamento de Lobato só serve para o pôr na cadeia e poder encobrir os outros. E, com a garantia de que a Fretilin ganha o poder, ver aprovada uma amnistia que salvaguarda os outros. Lobato sacrificou-se.

É por isso que acha que há uma proposta para uma lei da amnistia aprovada pelo parlamento?

Como é que ao fim de seis meses ou um ano se pode aprovar uma amnistia se não houvesse já uma intenção inicial? Nós não somos estúpidos.

Acha que a amnistia serve para tirar Rogério Lobato da cadeia?

Sim.

E o major não vai também ser beneficiado por essa lei?

Não se pode dar uma amnistia a pessoas que nem sequer foram condenadas. Isso está errado. Eu nunca fui julgado. Para que é que preciso disso? Só os criminosos precisam de uma amnistia. Eu ainda nem fui a tribunal. E, sendo criminoso ou não, para que preciso dessa amnistia?

Mas sabe que há um entendimento entre Alkatiri e o presidente Ramos-Horta para avançar com uma amnistia?

Eles são um só. São os fundadores da ideologia, Alkatiri e Ramos-Horta. São eles que criaram a ideologia da Fretilin.
Estão, pelo menos, de acordo que tem de haver uma amnistia.
Eu já estive na prisão. Conheço quem lá está. Muitos dos presos são inocentes e não tiveram uma lei da amnistia. Não quiseram saber deles. Foram esquecidos. Porque é que eles não tiveram direito a uma amnistia? Só dão amnistia aos seus homens e aos seus amigos políticos, mesmo que tenham sido condenados como criminosos? Chama-se a isso justiça? Ou é máfia?

Mas está decidido, se necessário, a ir a tribunal?

Qual tribunal? O tribunal de Longuinhos Monteiro? O tribunal de Mari Alkatiri? O tribunal de Xanana? Ou o tribunal de Ramos-Horta? Só serei julgado pelo tribunal da minha nação, debaixo da verdadeira lei, não debaixo da lei de alguns líderes e que só funciona para o benefício pessoal deles.

E o que é que é preciso para ter uma verdadeira justiça em Timor?

Meu amigo, é preciso que nos sentemos e ponhamos a realidade em cima da mesa, em vez de nos escondermos dela.
Ramos-Horta esteve consigo há três ou quatro semanas.
Ele nunca se encontrou comigo. Isso é treta. Esteve com alguns dos meus homens. Ninguém me representou. Eles estão todos a mentir.

Eu li que houve um encontro.

Com Susar, foi com ele que estiveram.

Susar esteve com Ramos-Horta há três ou quatro semanas e o major não teve conhecimento disso?

Não.

E qual seria o propósito desse encontro?

Não sei porque é que o líder desta nação e o procurador-geral vieram ter com alguns dos meus homens. Vieram persuadir os meus soldados. Que credibilidade têm como líderes?

Acha que querem traí-lo?

Eles estão a tentar que os meus homens me traiam. Querem separar-me deles e dos peticionários, porque têm medo de enfrentar a verdade.

Nesse encontro estava Ramos-Horta e Longuinhos Monteiro?

Sim, com Leandro Isaac, Garcia e também Susar, que está aqui sentado. Pode perguntar-lhe directamente o que foi discutido no encontro e quanto dinheiro foi oferecido.

O seu homem Susar disse-lhe isso?

Qualquer coisa assim. Mas o melhor é perguntar-lhe, porque não gosto de falar pelos outros.

Pergunto-lhe depois. Estou a tentar perceber o que o major sabe e o que defende. Longuinhos Monteiro tentou oferecer dinheiro em troca de quê?

Eu não sei. Mas antes do encontro, Susar telefonou-me a contar do arranjo feito através de Longuinhos e Leandro Isaac para se reunirem com o presidente. E eu disse: «Avancem. São homens livres. Digam-lhes o que quiserem dizer-lhes». Mas não foram lá em minha representação. Porque o senhor Longuinhos e o presidente sabem que se quiserem falar comigo têm de o fazer através do meu advogado, que está contactável todos os dias. Porque têm de vir pelas costas?

Mas acha que esse encontro foi feito em troca de quê? O que é que pediram aos seus homens?

Eles querem destruir-me ao dividir o meu grupo e quebrar a unidade dos meus homens. Querem separar-me do tenente Salsinha, para me poderem apanhar mais facilmente.

Mas para apanharem-no mais facilmente não para se render, é isso?

Eu não me rendo a nenhum ser humano. Eu rendo-me à minha mulher, quando estamos a fazer amor. De resto, onde é que estaria a minha dignidade enquanto militar se eu me rendesse a alguém?

Acredita, então, que estão a tentar criar condições para que o possam matar?

Sim. E estão a tentar esconder a verdade. Porque se formos todos a tribunal, toda a gente tem de responder pelos próprios actos. Mas eles querem-me culpar de tudo, para que possam ser inocentes. Isso nunca foi assim.

Não tem implicado a responsabilidade de Xanana, mas no ano passado o major dizia que era leal a Xanana e isso mudou.

Não houve mudança.

Então, ainda é leal a Xanana?

Não entendo que noção vocês dão às palavras «leal», «ordem» e «comando». Porque Xanana dantes era presidente. E respeito-o como veterano da guerra pela independência. Não posso negá-lo, trago-o no meu coração.

Isso é o passado. Estou a perguntar-lhe sobre o presente.

Meu amigo, não se pode ir a esse ponto sem saber primeiro que Xanana foi criança antes de ser presidente. É preciso saber de onde ele vem. De momento, Xanana é Xanana. Conheço-o como veterano, como herói, não o conheço como político. Antes da crise, Xanana era o meu presidente e eu fui leal ao presidente, não a Xanana. Nem sequer somos família. Ele era presidente na altura. Mas podemos reavivar a memória: quando Ramos-Horta me levou a um encontro com ele, antes de entregar as armas em Maubisse, a primeira coisa que eu disse, antes de começarmos a falar, foi: «Eu, Alfredo, não vos adoro. Tudo o que me pedirem para fazer dentro da legalidade, eu cumpro. Fora isso, para o vosso próprio interesse, eu não faço nada». Pode perguntar ao general Matan Ruak. Ele sabe que eu sou assim.

O que é que Xanana e Ramos-Horta lhe pediram para fazer nessa altura, em Maubisse?

Xanana traiu-me como líder.

Porquê?

Porque disse-me que se obedecesse à ordem de dar todas as armas, seguindo as instruções do meu comandante supremo, ele dava a garantia que a crise iria ser resolvida.
Acha que a crise está resolvida? Está a piorar (outra vez exaltado). Eu mostrei-me disposto a entregar as armas, para ajudar a resolver a crise. E ele (Xanana) ainda me disse que eu podia tê-las de volta em dois dias. E ele sabe que me deu uma ordem por escrito a autorizar-me a ir para Díli no dia 24 de Julho. Estava tudo escrito. Mas porque é que as forças internacionais foram capturar-me, sem nenhum mandado escrito de lado nenhum?

E, depois disso, ele não diz nada? O que pensa você disso?

Tudo isto é um jogo. O próprio líder deste país está a brincar com a vida das pessoas. Isso é traição.

Nunca mais falou com Xanana desde esse encontro em Maubisse?

Não.

Mas porque é foi para Díli?

Porque queria ir para lá resolver a crise. Já tinha devolvido todas as armas.

A GNR encontrou armas na casa onde estava em Díli.

A GNR não encontrou armas. Encontrou munições. As armas fui eu que as entreguei. A GNR aqui é uma vergonha para Portugal. Eles dizem muitos disparates, mas são estúpidos.

Pensa mesmo isso?

Sim. Eles são profissionais ou são apenas bandidos?

Portanto, só havia munições dentro de casa.

Sim. Vocês, os media, não têm ido ao passado. Estão só preocupados em saber o que é melhor para amanhã. Não se podem esquecer que havia aquela carta. Há cópias dela por toda a parte. A ordem do presidente era para entregarmos as armas, apenas armas, não incluía o equipamento e outras coisas.

Tinha, então, direito de ter as munições naquela casa.

Não apenas o direito. Eu sou ainda um militar neste país, faço parte da polícia militar. Sou uma pessoa com mais direitos do que quaisquer outras de ter armas e munições. Sou um polícia militar. Nessa altura, eu levei as pistolas e as munições. Como é que poderia estar a esconder alguma coisa se, um mês antes, dei uma lista com os nomes e os números de tudo o que eu ainda tinha comigo e que seria entregue na continuação do processo? Longuinhos sabe isso.

Entregou uma lista com tudo o que ainda tinha naquela altura?

Sim. O número da pistola que eu tinha e o resto. Estava completo. Em Maubisse, tinha entregue as outras armas e a Austrália sabia que eu tinha ainda algumas comigo naquele momento.

Foi para a prisão e escapou. Porque decidiu fugir?

Em primeiro lugar, puseram-me na prisão sem se basearem na lei. Foi uma manipulação política. Eu não quero ser vítima de ninguém, para satisfazer os interesses dos outros. Não sou uma marioneta. Eles pediram-me para ficar seis meses na prisão. Mas ao fim de 30 dias perguntei aos meus advogados e eles disseram-me que não tinha havido seguimento da carta (de Xanana). Pus-me a andar.

Foi fácil fugir da prisão?

Sou um militar muito bem treinado. Não posso dizer como faço para o matar, pois não?

E o que é que aconteceu em Same, quando foi cercado em Março pelos australianos?

Pergunte ao presidente.

Quero ouvir a sua versão.

Pergunte ao presidente porque foi ele que deu a ordem. Foi uma ordem ilegal.

Foi surpreendido com o ataque?

Fiquei surpreendido porque pensei: que tipo de líder tolo decide fazer uma coisa destas sem qualquer legalidade? Como é que um líder está disposto a sacrificar a vida do seu próprio povo sem se preocupar com nada e usa forças internacionais que não estão cá com o propósito de provocar uma guerra? Estão cá para a segurança e estabilidade do país. Será que atacarem alguém representa segurança e estabilidade?

E eles estavam a tentar capturá-lo?

Estavam a tentar matar-me.

Era o que eles estavam a tentar fazer, matá-lo?

Sim, da forma como fizeram a aproximação. Foi como nos filmes: dispara primeiro, pergunta depois. Quer-se realmente prender alguém agindo assim?

Foi isso que aconteceu?

Claro. Alguém quis brincar ao Dirty Harry.

Quando deu conta dos militares australianos, já eles estavam a disparar?

Sim. Estavam a disparar de todos os lados, com um helicóptero Black Hawk e metralhadoras de soldados em terra. Tivemos de responder para nos defender. Aí têm de ir ao artigo 28.º da constituição: «Qualquer indivíduo tem o direito de se proteger».

Em Díli, muita gente acredita que os australianos não foram suficientemente duros consigo.

Eu não posso dizer isso. Não se pode dizer que uns militares estão mais bem treinados e preparados do que outros. É uma questão de tempo e sorte. Pode ser que ainda não tenha chegado o meu dia.

Pensa que pode ser atacado novamente pelas ISF tal como em Março?

Não sei. Mas venha o que vier, estou no meu país. Não vou a lado nenhum. Estou preparado para qualquer ataque. Mas peço o favor de justificarem a sua legalidade. Às forças internacionais, digo: não tragam uma nova guerra para este país.
Nas eleições presidenciais, disse que se a justiça não funcionasse iria perseguir pessoalmente os responsáveis pela crise no ano passado.
Não as pessoas, mas o estado, o governo que foi responsável pela crise.

Quer dizer que vai agir contra o estado?

Eu não…

O povo, então?

O povo é que o vai enfrentar. Quem é que tem mais direitos nesta democracia?

Quando estava a ser atacado em Março, Díli entrou num estado caótico, com estradas bloqueadas.

Terá de falar com esses rapazes de Díli.

Não estão ligados directamente a si?

A sorte foi terem sido só os rapazes de Díli. O que acontecerá se os rapazes do interior forem todos lá abaixo?

Acha que tem muito apoio popular?

Eu não sou um modelo, não sou um jogador de futebol para me poder tornar popular. Nem sou um líder político.

Não se sente um herói para uma certa juventude?

Não sou um herói. Faço o meu trabalho de servir o meu país.

Nalguns muros e paredes de Díli está escrito «Viva Alfredo».

Estamos num país democrático. Há liberdade de expressão.

Porquê que acha que o admiram?

Não sei. Pergunte-lhes e depois venha mo dizer.

E continua ligado aos peticionários (600 militares que saíram do exército para protestar contra uma alegada descriminação)?

Somos um só. Eu não estaria aqui se não fosse por causa deles. São militares e há uma crise dentro da instituição. Eu sou polícia militar e essas foram e são as minhas funções – pôr-me no meio.

Mas os peticionários já não estão juntos. Foi cada um para seu lado.

Por razões económicas. Onde quer que estejam, continuam a ser um só. Estão unidos, apesar de estar cada um na sua terra.
O presidente pensa vir a oferecer uma compensação monetária aos peticionários que não queiram regressar ao exército ou então terão de começar o processo de alistamento de novo.

Eles têm o direito de regressar à instituição, mas não se pode dizer que é para eles se realistarem. Eles nunca deixaram a instituição, por isso não é suposto começarem de novo. Mesmo estando na condição em que estão, continuam a ser militares ao serviço da nação.

Não é esse o entendimento das F-FDTL.

As F-FDTL não são propriedade de indivíduos, são propriedade da nação e do povo. Se algum indivíduo pensa assim então não tem lugar na instituição.

Não há, para si, nenhuma outra solução?

Há sempre uma solução desde que nos sentemos para conversar. Mas se há quem continue a ser teimoso e a acreditar na sua própria estupidez e nas suas próprias necessidades, então não haverá solução. Se os peticionários não forem reintegrados normalmente na instituição e se os problemas na instituição não forem resolvidos, um novo movimento será erguido. Todos servimos a mesma nação, a mesma instituição, mas debaixo de outro comando.

Matan Ruak parece não estar interessado em que os peticionários regressem como se nada tivesse acontecido, mas antes como novos candidatos.

Se Matan Ruak não se sente confortável com uma solução que os reintegre, ele pode se ir embora. A instituição não é dele, mas sim do povo. Pode levar as Falintil com ele, pertencem-lhe, mas não (pertencem) a nós, enquanto geração de um país independente.

Leu o relatório da comissão independente da ONU sobre o que aconteceu durante a crise de 2006?

Esse relatório é 99 por cento mentira.

É verdade ou não que…

Não é verdade. Fizeram-no sem me ouvir. Só quiseram ouvir um dos lados. Os internacionais dizem que vêm cá resolver os nossos problemas, mas nunca os vão resolver porque não sentem como nós. ONU, ONU, ONU. Diga-me em que parte do mundo há um exemplo de uma missão de sucesso desde que a ONU foi criada? Só há caos, meu amigo. Trata-se apenas de um projecto de como gastar o dinheiro da ONU. Se eles tivessem feito o trabalho de forma perfeita em 1999 não teria havido crise no país e a ONU não precisava de voltar.

Mas houve ou não houve um ataque coordenado a Díli, liderado por si, entre os dias 23 e 25 de Maio do ano passado?

Porque nessa altura o major era o líder militar dos peticionários.

Está errado, meu amigo. Não houve peticionários envolvidos no dia 23.
No dia 23 não, mas no dia 24 em Tibar.
Sobre isso não sei nada. Tem de perguntar ao Railos.
Estive com ele no ano passado. Havia dois líderes em Tibar no dia 24: Railos e Salsinha.
Salsinha não foi para a linha da frente. Ele não tinha armas sequer.

Bem, houve um ataque em Tibar…

Viu Salsinha carregando armas?

Não mencione ninguém que não tenha visto com os seus olhos. Não estou a defendê-lo. Se não estava lá, não estava lá.
No dia em que Ramos-Horta estava em Gleno para um encontro com os majores Tara e Tilman (a 23 de Maio de 2006), ele recebeu um telefonema a informar que havia um tiroteio em Fatuhai.

Então, ligou para o major enquanto estava no tiroteio. Confirma?

Sim, ele telefonou-me.

Ramos-Horta contou ao Expresso que no dia anterior tinha estado consigo em Ailéu e que o major prometeu não sair de lá. Mas a verdade é que saiu. Porque foi para Díli?

Eu estava a fazer o meu trabalho. Dependeu do que aconteceu no dia anterior. Alguém quer saber o que se passou no dia 22 de Maio?

O que é que aconteceu no dia 22?

Quem ordenou a um grupo de militares para ir a Fatuhai dar tiros nos polícias que tinham instruções para fazerem guarda naquela área e protegerem a população?

Eu recebi um telefonema dos polícias que estavam a ser alvejados para eu ir lá investigar o caso na manhã de dia 23. O meu trabalho, como polícia militar, era ir lá investigar. E porque é que fui atacado?

Eu tenho de me defender. Nessa altura, Ramos-Horta ligou-me. Então, eu tenho de parar para que me possam matar enquanto estou a ser atacado?

O relatório da ONU diz que estava nas colinas acompanhado por dois jornalistas.

Sim. Como é que se pode estar a atacar alguém enquanto se está a ter uma conversa agradável com jornalistas, como estamos a fazer agora? No relatório está escrito que eu estou a fazer uma emboscada.

E havia um grupo de militares do coronel Falur.

Foi ele que ordenou que abrissem fogo sobre si?

Sim. Nessa altura adoptámos o princípio de defesa militar. Quem disparou primeiro, não sei. Eu estava bem afastado.

Antes disso, pediu-lhes para irem embora?

Claro. Se eu quero fazer uma emboscada, peço-lhes primeiro para se irem embora?

Contou de um a dez e eles começaram a disparar?

Mesmo depois de contar de um a dez ainda disse para não dispararem. Os meus homens não dispararam antes do número dez ou mesmo quando chegámos ao dez. Portanto, quem disparou? Pergunte aos jornalistas porque é que eles fugiram, deixando-nos bem para trás. Não foi um filme, foi real.

Quem eram os jornalistas?

Fale com José Belo, um jornalista local.

Não houve, então, um ataque coordenado às F-FDTL?

Não. Nada disso.

Mas as F-FDTL entenderam que havia um ataque coordenado.

Eles entendem o que quiserem.

É que houve muitas coincidências.

As coincidências são um problema.

Houve um ataque a Tacitolu (quartel-general das F-FDTL, próximo de Tibar) e um ataque à casa do brigadeiro Matan Ruak, liderado por Abílio Mesquita…

O Abílio Mesquita faz parte da PNTL, eu não tenho qualquer comando sobre eles. Pergunte a Xanana, que o conhece muito bem. Vivem ambos próximos daquela aérea.

Abílio Mesquita é vizinho de Xanana?

Sim, moram muito próximos um do outro. E Lahana (onde vive Ruak) é muito próximo da casa de Xanana. Penso que o senhor Xanana tem alguma coisa para contar.

Sobre o ataque à casa de Ruak?

Sim. Porque tenho de ser eu? Eu não sei de nada.

Acredita que Xanana sabe alguma coisa sobre esse ataque?

Como líder da nação, deve saber.

Acha que ele consegue explicar o ataque?

É o único líder a viver perto. Deve saber alguma coisa. Pergunte também a Leandro Isaac, que também vive muito perto de Abílio Mesquita e da casa do brigadeiro. O melhor é perguntar às testemunhas.

Alguém estava a tentar matar o brigadeiro.

Eu não sei. Não fui eu. E não estava lá quando aconteceu.

Não teve nada a ver com isso?

Não tive nada a ver com Tacitolu, Ruak ou o (ataque ao) quartel-general da polícia. Se eu fiz alguma coisa de errado foi no dia 23 (em Fatuhai), só isso.

Quando é que foi a primeira vez que Xanana Gusmão falou consigo durante a crise do ano passado?

Não me lembro. Já foi há muito tempo. Não me lembro de quando foi a primeira vez.

Mas ele telefonou-lhe nesses dias.

Xanana nunca falou comigo por telefone. Nunca falámos por telefone.

Então, encontraram-se pessoalmente?

Pessoalmente, só quando fui levado por Ramos-Horta para um encontro (em Julho, antes da entrega das armas, em Maubisse).

Mas essa foi a primeira vez que falou com Xanana desde o início da crise?

Xanana falou comigo às vezes através de outras pessoas, quando tinha alguma coisa para me dizer, para me dar conselhos – «não faças isto, não faças aquilo, fica aqui, fica ali», como um líder normal.

Quem era o vosso mediador?

Pergunte-lhe. É ele que escolhe os seus homens. Xanana diz-lhe, se quiser.

Mas é verdade que Xanana pagou as suas despesas na pousada de Maubisse?

Pergunte a ele e ao dono da pousada. O que sei é que fiquei lá livre.

O major não pagou as despesas.

Acontece também que sou de Maubisse. Não é errado ficar lá.

Sim, mas eles cobraram-lhe a sua estada?

Não.

Não cobraram?

Vá lá perguntar às senhoras.

Fez declarações fortes nesta entrevista. Gostava de entender qual é para si a solução que lhe permitirá regressar a uma vida normal.

Eu tenho uma vida normal….

A sua vida normal seria em Díli.

Se ninguém me perturbar, eu tenho uma vida normal. Só não estou em Díli porque não quero atrapalhar o processo eleitoral.

Bom, mas o major está num esconderijo. Não se sente um fugitivo?

Foi muito difícil para si encontrar-me? Por acaso estou na selva? Olhe à sua volta. (Estamos num pequeno alpendre de uma casa isolada e há uma estrada a 30 metros onde passa um carro de polícia da ONU, vagarosamente) Aqui, fora de Díli, aqui é a minha casa. E eu posso estar em Díli sempre que quiser. Ninguém me pode dizer o contrário.

Mas já esteve em Díli desde que fugiu da prisão?

Se me quiser convidar para ir tomar um café em Díli, eu vou.

Vai?

Diga ao presidente Ramos-Horta que se quiser vou lá tomar um café um dia destes. Qual é o problema?

Vai e não terá medo?

Medo de quê?

Disse que alguém o quer matar…

Mesmo que assim seja, não importa onde estou. Quando o tempo chegar, chegou.

É possível que todos os líderes – e não apenas um – o queiram matar?

Não todos. Pode contar pelos dedos quem faz parte da máfia dentro do governo.

Mas há uma máfia?

Claro.

Dentro da Fretilin?

Está um pouco em todo o lado.

Acha que há uma intriga feita por um grupo conectado entre si?

Você vem do mundo moderno. Como é que a máfia funciona na Europa, meu amigo? São sítios diferentes, mas a merda é a mesma.

Está a falar de pessoas que querem ganhar dinheiro?

Que querem a ditadura no poder.

Agora há uma guerra política pelo poder…

Justa ou injusta?

Não sei. Mas há claramente dois lados. De um lado, Alkatiri. Do outro lado, Xanana e os seus aliados.

Há um terceiro lado.

São os oportunistas.

E esses oportunistas não pertencem a nenhum dos dois lados?

Depende do dinheiro e dos benefícios que conseguem obter. Mas lembrar-se-ão eles de que devem fazer as coisas pelo povo, pela nação? Não para o seu próprio bolso, para os seus próprios interesses, para o seu orgulho. Essa é a questão: estás a servir a nação ou estás a servir-te a ti próprio?

Mas sabemos quem são essas pessoas?

Diga-me você. Tem-se encontrado com tanta gente.

Só tenho entrevistado líderes políticos.

E o que está a conseguir com eles? Está apenas a vender notícias ou tem algumas pistas?

Estão a lutar pelo poder.

Claro. Estão a lutar pelo poder qualquer que seja o caminho que os leve lá. Essa é política.
Alkatiri e Xanana dizem que estão a lutar pelo bem do povo e da estabilidade.

Que povo? O povo que andava a gritar para os tirar da cadeira?

Os seus militantes, os seus apoiantes.

Talvez os seus familiares e os amigos.

Então, estou a entender que não vai ser fácil...

Nada é fácil, meu amigo. Bem-vindo a Timor-Leste. Mas isto não é o faroeste, é apenas uma nova nação que precisa de ser construída.

Tem alguma esperança dentro de si?

Estou de pé porque tenho esperança.

Que esperança é essa?

É a esperança na nova geração. Nas suas mãos está a esperança para o futuro.

Não acha que as coisas podem melhorar quando o novo governo for para o poder?

Caras novas podem fazer alguma diferença. Se as coisas podem melhorar? Dependerá do respeito que se tiver pela lei e pela justiça.

Não importa quem é que estará no poder?

Não importa. Sou apenas um militar, sirvo qualquer um que sirva a constituição.

Não é um problema para si se Alkatiri for primeiro-ministro?

Melhor ainda.

Percebo que está a ser irónico, mas pode explicar melhor?

Talvez então se veja o que ele fez de errado antes e o que fará agora. Porquê forçar o seu nome através da constituição?

Aí ver-se-á se a sua intenção é resolver a crise e garantir o futuro do país ou se a sua intenção é o seu próprio interesse, não importa que sacrifícios sejam precisos.

E isso não é legítimo?

Pergunte aos que tomam as decisões.
A Fretilin argumenta que é o partido mais votado.

Qual foi a percentagem com que eles ganharam? É preciso mais de 30 por cento para conseguir gerir o país. Se eles aprovaram as regras da constituição, através da maioria da Fretilin na assembleia, porque estão contra elas agora?

Onde é que está a maturidade da liderança?

Acha que há um risco na pressão que um líder político possa fazer para ir para o governo?

É preciso novas caras para resolver o problema.

Novas caras como Fernando Lassama? O major apoiou o Partido Democrático nas eleições presidenciais…

Não, eu apoiei a coligação. Porque com a coligação, as decisões não são tomadas por uma única pessoa, o que significa que não vai haver ditadura ou decisões de pensamento único. Essa é a singularidade de uma coligação. Aí têm de decidir em prol da nação.

Ramos-Horta está a tentar um entendimento entre a Fretilin e a coligação liderada por Xanana. Acha uma boa ideia?

É-me muito difícil entender este jogo que estão a jogar. Na política, é preciso jogar de acordo com as regras da constituição e eles jogam contra as regras. É engraçado como Ramos-Horta concorreu a presidente contra a Fretilin e agora, depois de ter ganho, quer colocar a Fretilin no lado vencedor.

É suposto um presidente não tomar partido, não?

Diga-me você. A realidade é que o presidente veio ter com alguns dos meus homens para destruir a minha equipa. Isso não é tomar partido? Com o procurador… O que é que se passa entre o procurador e o presidente neste jogo? Alô…

Quer mandar alguma mensagem para o povo timorense ou para a comunidade internacional?

A minha mensagem é dada dia-a-dia. As pessoas vêem a verdade. A questão é: quão longínquo, quão bom, quão brilhante as pessoas vêem o futuro?

Não se sente isolado e abandonado?

Não. Se eu precisasse de gente de fora que me viesse proteger da minha própria gente, aí sentir-me-ia isolado. Aí sentir-me-ia um visitante.

Já disse que este não é o momento para contar a verdade, mas está realmente a pensar contá-la algum dia?

Eu vou contar a verdade, nada mais do que a verdade.

Quer dizer que há, de facto, uma verdade escondida sobre os bastidores da crise que não está disposto a contar por enquanto.

Você é a justiça, para que eu a conte? Se eu a contar agora, que provas me restam para fornecer um dia ao tribunal?

Mas tem vontade de contar toda a verdade?

No tribunal.

Não está arrependido pelas decisões que tomou?

Eu fiz o que estava correcto. Se eu não tivesse abandonado o exército, a guerra civil teria começado realmente. Porque eu faço parte do comando, estive envolvido em todas as reuniões e nos planos do que iriam fazer. Se eu não tivesse saído e me metido no meio, milhares e milhares de pessoas teriam sido provavelmente mortas.

Está a dizer que conhecia planos para uma guerra civil?

Claro.

Havia planos desses?

Não imagina o que eu vi no dia 4 de Maio, de manhã, em Gleno.

O que é que viu?

Havia gente por todo o lado com machetes e setas preparada para ir para Díli. E não sabe o que estavam a planear fazer no quartel-general das F-FDTL. Queriam ir a Gleno, atrás dos peticionários.

Estavam a planear um ataque a Gleno?

Sim. Pergunte ao coronel Lere. Ele sabe.

E isso foi planeado previamente?

Tenho tantas coisas escondidas cá dentro. Ou sou um criminoso ou sou alguém que se levantou para salvar o povo desta crise. Porque eu nasci depois da crise. A crise já lá estava quando souberam que eu existia. Portanto, quem são os actores da crise? Não sou eu.

Pensa, então, que o brigadeiro Matan Ruak é culpado?

Claro que é culpado. É o meu general mas se fez coisas erradas tem de responder por elas. Isso não altera o que sinto por ele como meu herói da independência.

Todos devem ir a tribunal?

Sim.

Incluindo Xanana?

Sim. Xanana deve ser julgado.

Acha que Xanana tem alguma responsabilidade?

Se a crise acontece e você é o presidente, não há o direito de lhe fazer perguntas? Qual é a responsabilidade dele? E ele não quer saber?

Xanana devia ter sido mais activo durante a crise?

Não Xanana. Mari Alkatiri é que lhe devia ter pedido autorização para usar as forças de defesa para resolver a crise no dia 28 de Abril (de 2006). O presidente é o comandante supremo das forças armadas. Porquê que não pediram autorização? Porquê que não há nenhuma ordem escrita? Porquê que é que deram um ordem injustificável? Porque eu estava lá, a tentar salvar a pele desses líderes quando eles estavam cercados pelos manifestantes. Por isso, quero ser testemunha dos acontecimentos de dia 28.


Testemunha do momento em que Alkatiri deu essa ordem?

Alkatiri não estava sozinho. Estava também Lobato, Roque Rodrigues e Ana Pessoa.

E ouviu o que foi dito?

Fui eu quem levou Lere e Roque Rodrigues ao palácio. E sou a primeira pessoa que Lere encontra depois dessa reunião, dizendo-me que já tinha uma ordem.

Para atirar se fosse preciso?

Sim. E eu perguntei-lhe onde estava a ordem por escrito. Ele disse-me que não houve tempo para a escrever. E eu disse-lhe: como é que não há uma ordem por escrito? Isto é matar civis desarmados, é massacre. Não é preciso uma ordem por escrito?

Não é preciso perguntar duas vezes? Eu não sou um assassino.

E Xanana não devia ter sido mais activo?

Se eu fosse Xanana, teria escrito uma contra-ordem por escrito: isto é ilegal.

Era possível ele estar em casa sem saber o que se passava na cidade?

Talvez estivessem a tomar café nesse momento. Algumas destas figuras perderam a família naqueles dias? Conseguirão sentir? Sorte eu não ter algemado o coronel Lere naquele momento.
Pensou nisso?

Se o tivesse feito, teria sido ainda pior.


Neste momento, ao fim de uma hora e vinte minutos de gravação, a entrevista foi interrompida por um telefonema e pelo cerco de um helicóptero australiano. Não houve mais tempo para a acabar. Seguiu-se uma pequena sessão fotográfica, nas traseiras da casa onde a conversa foi gravada. Nessa altura, já o helicóptero dos militares australianos começava a fazer pequenos círculos a baixa altitude sobre as nossas cabeças. Reinado e os seus homens partiriam de carro. O Expresso soube, dois dias depois, que o cerco seria fechado em Alas, não muito longe dali.

1 comment:

Anonymous said...

Que segada!

Esta entrevista demonstra duas coisas a primeira e que o jornaleiro "?" nao soube tirar do Reinado NADA de positivo de verdadeiro e de compreensivel

Segunda COISA e que o Reinado nao diz Coisa com Coisa.

Que segada!

Sakunar Sacana