Wednesday 16 January 2008

"Que a Académica se clarifique!"

Nelson Morais

"À15ª jornada do campeonato da 1.ª Divisão de 1966/67, após a vitória sobre a CUF, o atacante Artur Jorge desvalorizava o segundo lugar ocupado pela Académica, a dois pontos do Benfica "Qual título? Eu tenho um exame de Alemão amanhã". Ernesto, outro ponta-de-lança, afirmava: "Vocês, os jornalistas, querem que nós digamos, à força, que vamos ser campeões. Mas é impossível, estamos em 'frequências' e vem aí a derrocada".

A estória, que termina com os estudantes vice-campeões nacionais, é uma de muitas da obra "Académica - História do Futebol", de João Mesquita e João Santana, que apresentam a Briosa como um clube diferente. Outros tempos, dir-se-á. Há três épocas, já o então director-geral da Associação Académica de Coimbra/Organismo Autónomo de Futebol (AAC/OAF), António Simões, dizia que era "um clube igual aos outros", cita o livro.

O autor e jornalista João Mesquita admite que houve "uma mudança radical", operada, sobretudo, na substituição de atletas-estudantes por outros quaisquer, mas discorda de Simões. Logo na introdução do livro, Mesquita e Santana recordam que, "ainda não há muito tempo, durante um jogo, o estádio do Calhabé estava pejado de cartazes contra as propinas na Universidade".

Mais "Quem não se recorda dos futebolistas da Académica entrarem no Estádio da Luz com uma faixa contra a co-incineração? Quem não se lembra deles a subirem as escadas do 'Municipal' com t-shirts em solidariedade com o povo de Timor -Leste?".

É certo que estas recentes incursões em territórios estranhos ao futebol não tiveram o impacto da atitude dos jogadores que, nos anos 60, tomaram o partido dos movimentos anticoloniais, em Angola e Moçambique, ou de outras partidas pregadas ao regime de Salazar. Mas nem tudo se perdeu, diz Mesquita "Ainda há traços indentitários que nos levam a crer que, se houver vontade, a Académica pode recuperar muito do papel que desempenhou na sociedade portuguesa".

O que a Briosa não pode, segundo Santana, é viver numa "situação dúbia". "Acho fundamental que a Académica seja clarificada! Que os sócios decidam como a querem se um clube profissional como os outros; se uma via que também tenha em conta a valorização do Homem".

Este debate é, afinal, um objectivo do livro, assumem os autores. E Mesquita marca já posição "Não quero uma Académica na segunda divisão. A primeira é indispensável para propagandear essa causa da formação humana", defende, lembrando os três (únicos e bons) actuais: o guarda-redes Pedro Roma, que está prestes a engrossar a lista dos "cento e tal" que terminaram licenciaturas enquanto jogadores; Vítor Vinha, que já se formou; e Nuno Piloto, que está na segunda licenciatura.

De resto, o livro não pretende dar fórmulas para uma Briosa com mística e competitiva. É só o relato, ainda que apaixonado, que dois adeptos fazem do percurso do clube formado por atletas-estudantes, que disputa quatro finais da Taça de Portugal e trata os "grandes" por tu, e do clube profissionalizado, que vive sob a ameaça da despromoção da 1ª Liga, ou mesmo na 2ª Liga.

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